quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Ana Hatherly

A noção de experiência é complexa.


Todo o espaço é de vidro


- um vidro que não parte por fora mas parte por dentro.


Estamos sempre esbarrando com invisíveis barreiras.


O que ele revela não é precisamente o que queremos saber.


E se tivermos os olhos abertos até ao fim: vemos o quê?


Como o espaço, o tempo não revela nada de especial.


Só percursos...


Folhas de uma agenda descartável.


A curva da vida de que fala Homero revela que a nossa existência


é uma rápida passagem pelo mundo em efeito Doppler.


(in 'Tisanas)

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Paulo Roberto Gaefke

Você sabe por que o mar é tão grande?
Tão imenso? Tão poderoso?
É porque teve a humildade de colocar-se alguns centímetros
abaixo de todos os rios.
Sabendo receber, tornou-se grande.
Se quisesse ser o primeiro, centímetros acima de todos os rios,
não seria mar, mas sim uma ilha.
Toda sua água iria para os outros e estaria isolado.
A perda faz parte.
A queda faz parte.
A morte faz parte.
É impossível vivermos satisfatoriamente.
Precisamos aprender a perder, a cair, a errar e a morrer.
Impossível ganhar sem saber perder.
Impossível andar sem saber cair.
Impossível acertar sem saber errar.
Impossível viver sem saber viver.
Se aprenderes a perder, a cair, a errar, ninguém mais o controlará.
Porque o máximo que poderá acontecer a você é cair, errar e perder.
E isto você já sabe.


Bem aventurado aquele que já consegue receber com a mesma naturalidade
o ganho e a perda, o acerto e o erro, o triunfo e a queda, a vida e a morte.




(No livro "Quando é preciso Viver" página 29)


terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

A Seta e o Alvo (Paulinho Moska)

Eu falo de amor à vida, você de medo da morte


Eu falo da força do acaso e você, de azar ou sorte


Eu ando num labirinto e você, numa estrada em linha reta


Te chamo pra festa mas você só quer atingir sua meta






Sua meta é a seta no alvo


Mas o alvo, na certa não te espera






Eu olho pro infinito e você, de óculos escuros


Eu digo: "Te amo" e você só acredita quando eu juro


Eu lanço minha alma no espaço, você pisa os pés na terra.


Eu experimento o futuro e você só lamenta não ser o que era


E o que era ?

Era a seta no alvo


Mas o alvo, na certa não te espera






Eu grito por liberdade, você deixa a porta se fechar


Eu quero saber a verdade, e você se preocupa em não se machucar


Eu corro todos os riscos, você diz que não tem mais vontade


Eu me ofereço inteiro, e você se satisfaz com metade






É a meta de uma seta no alvo


Mas o alvo, na certa não te espera






Então me diz qual é a graça


De já saber o fim da estrada


Quando se parte rumo ao nada ?






Sempre a meta de uma seta no alvo


Mas o alvo, na certa não te espera






Então me diz qual é a graça


De já saber o fim da estrada


Quando se parte rumo ao nada...

Amalia Bautista! (ps: Tks Riiiii)

que fazes aqui?







Julgava que te tinha dito adeus,


um adeus contundente, ao deitar-me,


quando pude por fim fechar os olhos,


esquecer-me de ti, dessas argúcias,


dessa tua insistência, teu mau génio,


tua capacidade de anular-me.


Julgava que te tinha dito adeus


de todo e para sempre, mas acordo,


encontro-te de novo junto a mim,


dentro de mim, rodeias-me, a meu lado,


invades-me, afogas-me, diante


dos meus olhos, em frente à minha vida,


por sob a minha sombra, nas entranhas,


em cada golpe do meu sangue, entras


por meu nariz quando respiro, vês


pelas minhas pupilas, lanças fogo


nas palavras que minha boca diz.


E agora que faço?, como posso


desterrar-te de mim ou adaptar-me


a conviver contigo? Principie-se


por demonstrar maneiras impecáveis.


Bom dia, tristeza.






(cuéntamelo outra vez
trípticos espanhóis vol. III
trad. joaquim manuel magalhães
relógio d´água, 2004)

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Pancreatite

Quando eu era criança
virava as garrafas
do meu pai na pia
hoje eu peço um pouco
pra minha caipirinha...

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Mario Benedetti

 
 
 
 
 
tática e estratégia

Minha tática é
olhar-te
aprender como tu és
querer-te como tu és

minha tática é
falar-te
e escutar-te
construir com palavras
uma ponte indestrutível

minha tática é
ficar em tua lembrança
não sei como nem sei
com que pretexto
porém ficar em ti

minha tática é
ser franco
e saber que tu és franca
e que não nos vendemos
simulados

para que entre os dois
não haja cortinas
nem abismos

minha estratégia é
em outras palavras
mais profunda e mais
simples

minha estratégia é
que um dia qualquer
não sei como nem sei
com que pretexto
por fim me necessites.
 
 
 

 

 

(Michel Foucault

Não me peçam para dizer quem sou
e não me peçam para não mudar.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Ausência de Drummond

Por muito tempo achei que ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje nao a lastimo.
Nao há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tao pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamaçoes alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba de mim.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

...das flores q te dei, 
ficaram o aroma, 
e a lembrança das pétalas morrendo uma a uma. 
A memória da morte é mais forte que a memoria olfativa? 
by lé


terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

JOAQUIM PESSOA

 
Hoje é um dia qualquer.
 As coisas acontecem sempre num dia qualquer,
nós é que referenciamos o dia
em que as coisas aconteceram.
 O 14 de Julho, o 25 de Abril,
"faz hoje quinze anos que",
 "completam-se dois séculos amanhã",
e todos os dias acontecem coisas importantes
para cada um de nós,
só que há dias em que as coisas que acontecem
são importantes para todos.
 Então o dia deixa de ser um dia qualquer e,
 à posteriori, é quase sempre,
e para sempre, um dia de referência.
 Foi num dia qualquer que te conheci.
 E, num dia qualquer,
comecei a amar-te. E amo-te.
 Todos os dias. Até qualquer dia.
O amor, a dor, a gente, toda a gente,
acaba, inevitavelmente, num dia qualquer.